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Ano: 1999  Vol. 3   Num. 2  - Abr/Jun Print:
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REABILITAÇÃO VESTIBULAR COMO TRATAMENTO DA TONTURA: EXPERIÊNCIA COM 116 CASOS
VESTIBULAR REHABILITATION AS A TREATMENT FOR DIZZINESS: EXPERIENCE WITH 116 CASES
Author(s):
1Maria Elisabete Bovino Pedalini, 2Roseli Saraiva Moreira Bittar, 3Lázaro Gilberto Formigoni, 4Oswaldo Laércio Mendonça Cruz, 5Ricardo Ferreira Bento, 6Aroldo Miniti
Palavras-chave:
INTRODUÇÃO

Equilíbrio corporal é a capacidade do ser humano de manter-se ereto ou executar movimentos de aceleração e rotação do corpo sem oscilações ou queda. Nosso equilíbrio depende de integrações que permitem ao sistema nervoso central (áreas vestibulares, tronco cerebral e cerebelo) reconhecer posições e movimentos da cabeça em relação ao corpo e ao espaço. São quatro os sistemas fundamentais nessa função: - vestibular: via principal de informação para o sistema nervoso central dos movimentos da cabeça. - visual: atua como sensor das relações espaciais. - proprioceptivo: informa a posição das diversas partes do corpo no espaço em determinado momento através de sensores localizados nos músculos, tendões, cápsulas articulares e tecido cutâneo. - auditivo: permite a orientação espacial, através da percep ção estereofônica. As manifestações das alterações que comprometem esse sistema podem ser percebidas como: desequilíbrio, desvio da marcha, instabilidade, sensação de flutuação, sensação rotatória, quedas, etc...

Os efeitos provocados por essas sensações são dramáticos, modificando consideravelmente a rotina de vida dos pacientes, podendo afetar o seu relacionamento familiar, social e profissional, como também provocar perda da autoconfiança, da concentração e do rendimento, gerando depressão e frustra ção. Ao entendermos a tontura como sintoma de determinadas doenças, torna-se mais fácil buscar o tratamento adequado. Há poucos anos, o uso indiscriminado de medicamentos era uma constante no tratamento das altera- ções vestibulares.

Hoje, no entanto, o espetacular avanço nos meios diagnósticos em Otoneurologia permitem ao otorrinolaringologista estabelecer a etiologia do processo em um contingente expressivo de casos.

A reabilita ção vestibular apresenta-se como uma alternativa segura para o seu tratamento e, ao lado do tratamento etiológico, permite desacreditar a teoria popular de que "labirintite não tem cura". Através de exercícios físicos específicos, podemos desencadear um fenômeno fisiológico denominado adapta ção que, por sua vez, envolve a habituação e a compensa ção vestibulares, fenômenos que constituem as bases fisiológicas da reabilitação vestibular.

A habituação pode ser compreendida como a adaptação obtida atrav és de estímulos repetitivos e a compensação como uma atividade final dos núcleos vestibulares resultante desses mesmos estímulos1,2,3,13,18.

Tais fenômenos são explicados pela existência do que denominamos plasticidade neuronal, que compreende um processo de aprendizado envolvendo a assimilação consciente (memória) e inconsciente (automatismo)4. Inúmeros autores9,6,11,14,15,19 estudaram a aplicação dos exercícios labirínticos em pacientes portadores de vestibulopatias , com o objetivo de recuperar o equilíbrio corporal e a orientação espacial, devolvendo ao indiví- duo a capacidade de restabelecer sua rotina de vida24. Com base nesses resultados descritos na literatura, iniciamos a aplicação dos exercícios de reabilitação vestibular em pacientes portadores de vestibulopatias, apresentando a seguir nossa experiência quanto à indica ção e resultados dessa modalidade terapêutica. MATERIAL E MÉTODO Foram estudados 116 indivíduos portadores de labirintopatias de etiologias variadas, tratados clinicamente sem resultado satisfatório ou portadores de disfunções crônicas.

A amostra foi composta de 67.2% (n=78) de pacientes do sexo feminino e 32.7% (n=38) do sexo masculino.

As idades variaram de 9 a 92 anos (média=43 anos). O método de escolha para a reabilitação foi uma técnica modificada da proposta por Cawthorne e Cooksey (5,6) que compreende os exercícios resumidos no Diagrama 1. Introduzimos ainda exercícios globais como relaxamento corporal e cervical; exercícios exteroceptivos como marchar descalço, marchar na ponta do pé, pé ante pé, andar em superfície irregular e exercícios oculomotores.

Essas atividades são desenvolvidas através de caminhadas na rua, marcha com abertura e fechamento dos olhos, persegui ção de objetos e jogos de bola. Antes de iniciarmos a terapia propriamente dita, os pacientes receberam orientações quanto:  à fisiologia do equilíbrio e suas alterações  o objetivo e o efeito de cada movimento executado sobre o sistema vestibular  o tempo médio esperado para melhora  instruções quanto aos maus hábitos adquiridos pela presença da tontura, como sentar e levantar com apoio, virar-se lentamente, evitar movimentos que provoquem tontura, abandonar as práticas esportivas, medo da tontura, entre outros.



Os pacientes foram orientados a realizar os exercí- cios diariamente em 2 sessões, repetindo 10 vezes cada movimento, durante 2 ou 3 meses de terapia.

O trabalho foi desenvolvido preferencialmente no domicílio do paciente, com o menor número possível de sessões no local de atendimento. As avaliações foram realizadas quinzenalmente e, a partir do terceiro mês, mensalmente, obtendo-se em mé- dia um total de quatro sessões/avaliações ambulatoriais. Os resultados foram analisados segundo observação clínica dos sintomas. Como critérios de avaliação, consideramos "melhora total" os pacientes que ficaram completamente sem tontura e "melhora parcial", quadros com atenuação dos sintomas entre 80% a 90%.

Os demais pacientes foram considerados como "sem melhora". RESULTADOS Os resultados em relação à resposta aos exercícios preconizados são observados na Tabela 1.

Observamos que dos 116 pacientes estudados, 88 (75.7%) tiveram sucesso com o tratamento, sendo 64 (55.1%) com melhora total.

Vinte e quatro pacientes (20.6%) apresentaram melhora parcial.

Consideramos nessa categoria os pacientes que apresentavam instabilidade discreta, mas sem interferência na sua vida social ou profissional.

Os demais pacientes não apresentaram modificação significativa do seu quadro e foram considerados como sem melhora.

Dos 116 pacientes 109 foram estudados quanto ao tempo médio de tratamento para obtenção da melhora. O maior número de pacientes (n=61) necessitou de 2 meses de tratamento para referir melhora dos sintomas. Os resultados podem ser observados no Gráfico 1. Em relação ao no de sessões necessárias, foram analisados 113 dos 116 pacientes. Trinta e seis necessitaram de 4 sessões e vinte e nove de 3 sessões para atingir o resultado final.

Os resultados estão sumarizados no Gráfico 2.







DISCUSSÃO

Nossos resultados podem ser considerados animadores. Constatamos que 75.7% (88 pacientes) obtiveram sucesso com o tratamento e destes, 55.1% (64 pacientes) obtiveram completo alívio dos sintomas (assintomáticos) e 20.6% (24 pacientes) alcançaram melhora do seu quadro, embora ainda referissem discreto desequilíbrio que não interferia em suas vidas.

Tais queixas foram na maioria das vezes relacionadas a problemas emocionais e estresse. Nossos resultados coincidem com os de outros autores7,8,9,10,11,12,14,15,20,21,22,23. O tempo médio de tratamento para obtenção de melhora dos sintomas foi de dois meses para a maioria dos pacientes (52.5%), coincidindo com o tempo habitualmente descrito pela literatura. Este período de tempo é semelhante ao necessário para a compensação espontânea de pacientes portadores de privação súbita da função vestibular como pós-operatório, surdez súbita, etc.2,24 Nossa intenção quanto ao número de sessões, foi a de estabelecer um programa onde o paciente comparecesse o menor número de vezes possível ao local de atendimento, executando os exercícios em sua residência, sem a freqüente intervenção do terapeuta, que poderia levar a um quadro de dependência.

Foi com essa intenção que determinamos retornos quinzenais no primeiro mês e mensais até o final do tratamento, por volta do terceiro mês. Embora a literatura faça referência a uma melhora discretamente superior em pacientes tratados em consult ório, em relação ao tratamento domiciliar9, a nossa opini ão é que a comodidade e a autonomia conseguidas no tratamento domiciliar são dados muito favoráveis e que devem ser levados em conta quando analisada esta superioridade relativa. A motivação do paciente12 é ponto fundamental para o sucesso do tratamento. As informações e orientações dadas no primeiro atendimento parecem ter importância primordial nesse aspecto.

Os aspectos psicológicos apresentam influência fundamental na evolução desses doentes, que devem "querer melhorar" para que o programa instituído seja eficaz14. Muitos pacientes desesperançados, com histórico de até dez anos de tontura, após sucessivas visitas a médicos, tentando várias formas de tratamento sem sucesso, tiveram na reabilitação vestibular melhora considerável, voltando a ter vida social normal. A literatura descreve a prevalência de sintomas vestibulares no sexo feminino9.

Nossa casuística contou com 78 mulheres (67.2%) e apenas 38 homens (32.7%). Acreditamos que o sexo feminino apresente maior predisposi ção orgânica às disfunções vestibulares devido à sua intrínseca variação hormonal e aos distúrbios metabólicos freqüentemente encontrados na mulher16,17. Outro fator relevante em nosso meio é a maior preocupação em procurar orientação médica apresentada pelas mulheres em relação aos homens. Diante dos resultados obtidos, podemos concluir que a grande maioria dos pacientes necessita de dois a três meses de reabilitação.

Neste estudo preliminar, não foi nosso objetivo investigar as eventuais falhas do tratamento. Entretanto, seria desejável, e está sendo objeto de estudo seqüencial, que os pacientes que não obtivessem melhora nesse período fossem submetidos a nova investigação com a finalidade de identificar-se as causas mais relevantes de insucesso terapêutico. Gostaríamos de enfatizar o que consideramos de fundamental importância na abordagem do paciente portador de tontura: os métodos de reabilitação não devem ser empregados como uma fórmula imutável, fixa.

Cada pessoa possui um aspecto único e particular que deve ser trabalhado pelo terapeuta, com a intenção de conseguir o melhor resultado clínico. Concluindo, acreditamos que a reabilitação vestibular associada ao tratamento etiológico representa, nos dias de hoje, a melhor estratégia terapêutica para os pacientes portadores de tontura.

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Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da FMUSP . Serviço do Prof. Aroldo Miniti.
Endereço para correspondência: Rua Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255 - 6º andar - CEP: 05403-000 - São Paulo / SP -
Brasil.

1- Fonoaudióloga da Divisão de Clínica Otorrinolaringológia do HC-FMUSP.
2- Assistente Doutora da Divisão de Clínica Otorrinolaringológia do HC-FMUSP.
3- Professor Doutor da FMUSP.
4- Professor Associado da EPM-UNIFESP.
5- Professor Associado da FMUSP.
6- Professor Titular de Otorrinolaringologia da FMUSP.
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