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Ano: 2008  Vol. 12   Num. 4  - Out/Dez - (20º) Print:
Seção: Case Report
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Condroma de Cartilagem Cricóide
Chondroma of The Cricoid Cartilage
Author(s):
Giulianno Molina de Melo1, Thomaz Antonio Fleury Curado2, Giancarlo Bonotto Cherobin2, Tiago Vieira Tavares2, Julise Landim Gajo3
Key words:
condroma, cartilagem cricóide, neoplasias laríngeas chondroma, cricoid cartilage, laryngeal neoplasms
Resumo:

Introdução: Os tumores cartilaginosos da laringe são raros, compreendendo 1% de todos os tumores cartilaginosos. O condroma é tumor benigno mais comum acometendo a cartilagem cricóide da laringe (75%), manifestando-se comumente no gênero masculino, com disfonia, dispnéia progressiva e disfagia em alguns casos. Objetivo: O presente estudo tem como objetivo relatar um caso de condroma de cartilagem cricóide, em paciente com sintoma de lesão nodular em região cervical anterior, de crescimento lento e progressivo. Relato do Caso: O tratamento foi a laringectomia parcial modificada, com ressecção do hemisegmento inferior da cartilagem tireóide, hemicartilagem cricóide e primeiro anel traqueal com margens livres e reconstrução com de retalho de pericôndrio e muscular pré-tireoideano. O exame anátomo-patológico demonstrou condroma de 1,1 cm, de baixa celularidade e baixas figuras de mitose atipicamente na região anterior da cartilagem cricóide. Conclusão: Neste relato concordamos com a literatura para o tratamento primariamente cirúrgico, de extensão dependendo da localização e do tamanho do condroma de cricóide, porém outras modalidades de tratamento podem ser adotadas nos casos onde a extensão tumoral indique a laringectomia total ou quando esta não é passível de realização, visando à preservação da laringe. Para o tratamento adequado de condromas de cricóide e entendimento da evolução natural da doença mais relatos de casos ainda são necessários.

Abstract:

Introduction: The larynx cartilaginous tumors are uncommon and comprise 1% of all cartilaginous tumors. The chondroma is the most common benign tumor affecting the larynx cricoid cartilage (75%), and manifests normally in the male gender with dysphonia, progressive dyspnea and dysphagy in some cases. Objective: The objective of this study is to report a case of cricoid cartilage chondroma, in a patient with the symptom of a nodular lesion in the frontal cervical region of slow and progressive growth. Case Report: The treatment was the modified partial laryngectomy with resection of the lower hemisegment of the thyroid cartilage, cricoid hemicartilage and the first tracheal ring with free margins and reconstruction with a pericondrium and muscular prethyroidean piece. The anatomopathological exam showed a chondroma of 1.1 cm, of atypical low cellularity and low figures of mitosis in the frontal region of the cricoid cartilage. Conclusion: In this report we agreed with the literature for the primarily extensive surgical treatment depending on the location and the size of the cricoid chondroma; however, other modalities of treatment may be adopted in cases where the tumor extension appoints a total laryngectomy or when this is not possible to carry out, aiming at the preservation of the larynx. For the suitable treatment of cricoid chondromas, the understanding of the disease natural evolution and more case reports are still necessary.

INTRODUÇÃO

Os tumores cartilaginosos da laringe são raros, compreendendo 1% dos tumores cartilaginosos (1-7). A revisão de literatura relata as primeiras descrições feitas por Travers e Heusinger (4) em 1816 e até o momento foram descritos menos de 250 casos, sendo 72% de condromas e 28% de condrossarcomas (2,5).

O condroma, tumor benigno mais freqüente, é mais comum na cartilagem cricóide (75%) com incidência de 0,07-0,2% manifestando-se comumente com disfonia, obstrução de via aérea superior de progressão lenta, dispnéia e disfagia, prevalecendo entre a 3ª e 7ª décadas de vida e mais comum no gênero masculino (3:1) (2,4,6,8). A localização mais freqüente é na porção posterior da cartilagem cricóide (9,10-15).

Apresentam crescimento lento, com agressividade local e tendência a recidivas (2). São menos agressivos na laringe do que em outros sítios e as metástases cervicais e à distância são raras (8,5%) (3). A sintomatologia depende do local de origem e da extensão tumoral. A disfonia e dispnéia são freqüentes nas lesões de cartilagem cricóide, e a disfagia ocorre no crescimento em direção a hipofaringe (15).

O diagnóstico diferencial dos condromas inclui condrometaplasia e condrossarcoma de baixo grau (12). Quanto à etiopatogenia, relataram-se casos em que se observa trauma raqui-medular cervical e instabilidade vertebral antecedendo o quadro clínico (4).

O exame físico do pescoço demonstra lesão nodular à palpação quando da localização anterior do tumor e à laringoscopia massa submucosa em porção posterior ou póstero-lateral da área subglótica (4,10,15).

Atualmente pela sua baixa incidência, as experiências são limitadas e consequentemente o conhecimento tende a ser limitado. O presente estudo tem como objetivo relatar um caso de condroma de cartilagem cricóide, seu manejo terapêutico e a revisão da literatura, visando cooperar no entendimento destes tipos raros de tumores.


RELATO DO CASO

Paciente do gênero masculino com 21 anos de idade, branco, foi atendido em clínica privada com queixa de lesão nodular em região cervical anterior percebido há cerca de 2-3 meses, de crescimento lento e progressivo, sem outros sintomas ou antecedentes em Fevereiro de 2002. Ao exame físico, evidenciou-se formação de consistência endurecida ao nível da cartilagem cricóide, indolor, móvel à deglutição, sem outras massas ou linfonodos aumentados. O exame laringoscópico indireto não evidenciou lesão em orofaringe, supraglote, glote ou na parte visível da subglote.

A tomografia computadorizada evidenciou lesão hiperdensa, bem circunscrita, com pequena área calcificada mais saliente na porção anterior e inferior da cartilagem cricóide à esquerda da linha média (Figura 1).


Figura 1. Tomografia Computadorizada - Condroma em Cartilagem Cricóide.



Foi realizada a laringectomia parcial modificada, com ressecção de hemicartilagem cricóide, hemicartilagem tireóide e primeiro anel traqueal como margens. Previamente se identificou e preservou o nervo laríngeo inferior ipsilateral até sua entrada no músculo cricofaríngeo (Figura 2). A reconstrução foi feita através de retalho muscular pré-tireoidiano com pericôndrio da cartilagem tireóide e traqueostomia de proteção da sutura. O paciente evoluiu sem intercorrências recebendo alta hospitalar no sexto dia pós-operatório.


Figura 2. Intraoperatório - Laringectomia Parcial Modificada.



Na evolução, o paciente apresentou paresia temporária da prega vocal esquerda com retorno à função normal em 40 dias, momento em que foi retirada a traqueostomia, sem outras complicações ou seqüelas.

Ao exame anatomopatológico a lesão tumoral mensurava 1,1cm, desenvolvendo-se atipicamente na região anterior da cartilagem cricóide, em suas fossas anterior e lateral com margens livres, demonstrando estrutura homogênea de padrão único, com baixa celularidade, não mais que 30 ou 40 núcleos por campo, núcleos pequenos e com baixas figuras de mitose. O diagnóstico foi condroma sem sinais de malignidade, com focos de calcificação em tecido esbranquiçado, contígua à face anterior da cartilagem cricóide (Figuras 3 e 4).


Figura 3. Peça Cirúrgica - Condroma em Cartilagem Cricóide.


Figura 4. Histologia do Condroma - Baixa celularidade em meio matriz homogênea.



No acompanhamento ambulatorial, realizado com exame físico e tomografia computadorizada a intervalos de 6 meses o paciente não apresentou recidivas e na última consulta de seguimento em Março de 2008 estava sem evidência de doença.


DISCUSSÃO

A literatura demonstra uma idade média de incidência de 65 anos, sendo mais frequente no sexo masculino em proporção 3:1 (10,11). Wang et al (7) apresentaram um caso atípico de uma paciente do sexo feminino com condroma em porção anterior da membrana da cartilagem cricóide, apresentando-se como uma massa cervical. Foi demonstrado em trabalhos anteriores (2-4,6,8-15) que a sintomatologia principal é a disfonia, seguida por disfagia e dispnéia, o que não foi observado no presente estudo, no entanto Olsen et al (12) apresentou dois casos com quadro inicial de restrição da salivação e outros dois casos com limitação da atividade da cartilagem cricóide.

Guillem et al (1) relataram um caso operado por uma massa sintomática mediastinal superior, com exame histopatológico de condroma benigno inicialmente diagnosticado sem qualquer critério de malignidade, desenvolvida a partir de cartilagem cricóide. A revisão subseqüente de lâminas revelou condrossarcoma de baixo grau de malignidade responsável pelo óbito, apontando a necessidade de ressecção dos condromas por seu potencial de malignidade.

Nakayama et al (9) relataram um caso de paciente com 7 anos de idade com metástases clavicular após a ressecção de condrossarcoma laríngeo, evoluindo a seguir com metástastases cervicais, pulmonares e em corpo vertebral. O exame anátomo-patológico identificou a transformação de condrossarcoma de baixo grau para um indiferenciado (possivelmente o primeiro a ser relatado em revisão de literatura de 20 casos de condrossarcomas com metástases à distância), sendo o grau de diferenciação correlacionado diretamente com a presença de metástases à distância.

A tomografia computadorizada é o exame complementar de escolha (4,6,9-15), podendo demonstrar comprometimento respiratório, o que não foi observado neste caso. O presente achado de lesão bem circunscrita hiperdensa e de calcificações, achado característico dos condromas (10,13,14), foi semelhante à Wang et al (6), no entanto a localização posterior e lateral (1-6,8) não foi identificada neste relato (anterior e lateral). Não houve também relação entre achado radiográfico de calcificação com o diagnóstico anátomo-patológico. A ressonância magnética não foi utilizada neste estudo devido à sua baixa sensibilidade à calcificação (1-14), no entanto poderia ser utilizada uma vez que delimita a extensão tumoral em outros tecidos pela sua resolução contrastada em tecidos moles.

Guillem et al (1) e Wang et al (7) enfatizam o uso da punção aspirativa por agulha fina para diagnóstico diferencial de massas cervicais, ocasionalmente de difícil realização pela natureza firme do condroma, não sendo realizado no presente relato de caso devido ao pequeno tamanho do tumor, no entanto se realizada pode não oferecer prova de malignidade (13,14).

A localização anterior e lateral do tumor na cartilagem cricóide descrito no presente estudo, rara segundo literatura revisada (1-15), condiciona sua apresentação clínica atípica como lesão cervical sem sintomatologia o que não se observa na maioria dos casos em que há disfonia, disfagia e dispnéia devido à localização mais comum ser a posterior e lateral.

Segundo literatura, o tratamento deve ser primariamente cirúrgico (5,6,11-15), onde a radioterapia e a quimioterapia não são adequadas como terapia primária, tendo talvez papel adjuvante. Harwood et al (13) descreveram o uso de radioterapia em casos de lesões consideradas irressecáveis, de alto grau ou de margens comprometidas ao exame anátomo-patológico sendo que a quimioterapia manteve papel controverso mesmo nestes casos podendo ser adjuvante em casos de metástases à distância concomitante (6,13).

A excisão do segmento de cartilagem envolvida com margens livres é o tratamento padrão (11-15), tanto para tumores benignos como malignos, com a recidiva ocorrendo nos casos tratados fora deste objetivo. Em muitos casos a diferença entre condroma e condrosarcoma se deve pela recidiva, sendo que as metástases à distância são raras (mais freqüentes para o pulmão, linfonodos cervicais, rins e ossos) (11,14,15). Em nosso relato de caso, não houve evidência de recidiva no período de seis anos de seguimento, caracterizando-se clinicamente o condroma.

Wang et al (6) referiram que achado de paralisia de corda vocal pode ser sinal precoce de envolvimento da junção cricoaritenóide em casos de malignidade e que quando a ressecção envolve toda a cartilagem cricóide a laringectomia total está indicada. Propuseram que toda neoplasia contendo cartilagem hialina deve ser considerado condrosarcoma até que se prove o contrário (6,11), sendo a única prova de benignidade à ausência de metástase ou recorrência após tempo variável de acompanhamento ou sua aparência ao exame da lesão inteira.

A distinção entre o condroma e condrosarcoma de baixo grau é considerada muito difícil em tumores cartilaginosos de laringe, provavelmente não podendo ser feita, sendo necessário o exame da peça inteira para o diagnóstico (9,11). Os condrosarcomas diferenciam-se dos condromas por apresentarem lesões de tamanho maior (excedendo 3 cm), tipicamente em adultos, com padrão histológico de crescimento lento e lobular, invasivo dos tecidos adjacentes, com pleomorfismo nuclear, policromasia e forma binuclear (11,12,13), achados diferentes do presente relato de caso.

Wang et al (7) propõe uma nova classificação que divide os tumores cartilaginosos por espectro de malignidade em baixo, intermediário e alto. No entanto esta classificação puramente anátomo-patológica não leva em conta a evolução clínica destes tumores, sendo necessário outros critérios para, em determinados casos, indicar a radicalidade do tratamento cirúrgico.

Segundo Thomé (5), em casos de condromas ou condrosarcomas de baixo grau de malignidade o acompanhamento sugeriu que a abordagem cirúrgica inicial e o prognóstico não dependem do prévio diagnóstico de malignidade e da distinção histopatológica definitiva e que a recidiva manejada com cirurgia de resgate não tem impacto adverso na sobrevida. Neste presente relato concordamos com Baatenburg et al (15) onde o tratamento deve ser primariamente cirúrgico, porém particularizado para cada caso, onde a extensão cirúrgica obviamente dependerá da localização e do tamanho do tumor de cartilagem cricóide, podendo ser adotada até o autotransplante de traquéia assegurado assim margens adequadas. Em certos pacientes onde a extensão cirúrgica indique a laringectomia total, outras modalidades de tratamento adjuvante podem ser adotadas visando á preservação da laringe, uma vez que o tipo de tratamento cirúrgico não afetará o prognóstico e somente no seguimento saberemos se o condroma era na realidade condrosarcoma.

O seguimento em longo prazo é necessário nestes pacientes com condroma para a detecção precoce das recidivas e, se houverem, o condroma inicialmente diagnosticado poderia ser o condrosarcoma de baixo grau não detectado histologicamente (11,12,15).

Em nosso presente relato de caso o tratamento foi realizado conforme a literatura, com seguimento clínico e radiológico adequados, não se apresentando até o momento evidência de recidiva ou metástase à distância, apesar do baixo tempo de seguimento considerado para estes tumores.


COMENTÁRIOS FINAIS

O presente relato de caso concorda com a literatura referente ao tratamento cirúrgico do condroma de cartilagem cricóide. Devido à localização atípica do tumor encontrado, houve discordância da apresentação clínica quanto à sintomatologia descrita na literatura. Mais relatos são necessários para o entendimento da evolução natural desta doença e o conseqüente acúmulo de experiência poderiam nortear protocolos de tratamento destes raros tumores de cartilagem cricóide.


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1. Mestrado-FMUSP; TCBC-SP (Assistente Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital da Beneficência Portuguesa de São Paulo.
2. Graduando. Residente de Otorrinolaringologia do Serviço de Otorrinolaringologia "Ivan Fairbanks Barbosa" do Hospital da Beneficência Portuguesa de São Paulo.
3. Graduanda. Estagiário do Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço "Jorge Fairbanks Barbosa" do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo.

Instituição: Serviços de Cirurgia de Cabeça e Pescoço Dr. Jorge Fairbanks Barbosa e de Otorrinolaringologia Dr. Ivan Fairbanks Barbosa do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo. São Paulo/SP - Brasil.

Endereço para correspondência:
Giulianno Molina de Melo
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E-mail: giulianno_molina@hotmail.com

Artigo recebido em 25 de Novembro de 2007.
Artigo aprovado em 24 de Maio de 2008.
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