INTRODUÇÃOA voz exerce um papel fundamental na comunicação e no relacionamento humano, enriquecendo a transmissão da mensagem articulada, acrescentando à palavra, o conteúdo emocional, a entonação e a expressividade, identificando o indivíduo tanto quanto sua fisionomia e suas impressões digitais. Nos dias de hoje, existem profissões que exigem que o indivíduo utilize a voz de forma contínua, como por exemplo, cantor, professor, locutor, ator e pastor. A estes indivíduos que usam a voz no desempenho profissional, denominam-se profissionais da voz (1).
No Brasil, as estatísticas oficiais mostram que 25% da população economicamente ativa, consideram a voz como instrumento de trabalho primordial e dependem dela para exercer algum tipo de ocupação, ou fazendo da voz o seu elemento de subsistência. Estima-se que cerca de 25 mil profissionais serão afastados de suas funções por problemas na laringe e pregas vocais (2)
A disfonia pode ocorrer como resultado de uma interação entre fatores hereditários, comportamentais, orgânicos e ocupacionais. Diversos estudos têm relacionado atividade ocupacional com disfonia. Acredita-se que o principal fator esteja relacionado ao uso excessivo da voz, ocasionando trauma nas pregas vocais. No entanto, é importante ressaltar diversos fatores ambientais que podem estar relacionados ao trabalho e que indiretamente contribuem para o problema, como: exposição a irritantes químicos, condições inadequadas de temperatura e umidade, ruídos de fundo e condições ambientais ruins. Além disto, o tempo limitado de recuperação e estresse também é considerado fatores de risco para a laringopatia ocupacional. Fatores relacionados ao estilo de vida também podem ser prejudiciais à voz (3).
Dessa forma, esse estudo foi realizado com o objetivo geral de analisar a ocorrência de distúrbios vocais nos pastores das Igrejas Adventista do Sétimo Dia no estado do Pará, visando identificar dentre outras características as principais queixas clínicas e hábitos de vida desse grupo, alertando para o problema.
MÉTODO Todos os pastores envolvidos na presente pesquisa foram entrevistados segundo os preceitos da declaração de Helsinque e Código de Nuremberg, respeitando as Normas de Pesquisas envolvendo seres humanos (Res. CNS 196/96) do Conselho Nacional de Saúde, após aprovação por Comitê de Ética em Pesquisa . Os entrevistados fizeram parte da pesquisa após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Para este estudo foram coletadas informações clínicas, pessoais e profissionais, bem como seus hábitos, através de questionário próprio elaborado pelos pesquisadores. Foram entrevistados 56 pastores, todos de Igrejas Adventistas do Sétimo Dia, localizadas em municípios paraenses, em de maio de 2008. Este estudo caracteriza-se como prospectivo, individualizado, observacional e transversal sendo definido como um inquérito epidemiológico.
A seleção dos profissionais que participaram deste estudo foi feita conforme aceitação individual. Os entrevistados foram beneficiados com o esclarecimento de dúvidas a cerca desta temática no momento da coleta de dados, quando foi realizada palestra sobre cuidados vocais. Foram excluídos os entrevistados que estavam na vigência de tratamento fonoterápico. Exames complementares não foram realizados em virtude de a maioria dos pastores não residirem na capital, estando na cidade apenas provisoriamente.
Os dados coletados foram: há quanto tempo exerce a atividade de pastor, carga horária no dia de maior atividade vocal, carga horária média semanal, atuação profissional em outra atividade com uso excessivo da voz, carga horária adicional devido tal atividade; quanto ao hábito de fumar, ingerir bebidas alcoólicas, uso de drogas, práticas de esportes, instrução sobre saúde vocal na igreja ou em outro lugar; sintomatologia clínica (dor ou irritação na garganta, rouquidão, sensação de corpo estranho, presença de pigarro, dor no pescoço) e uso de medicamentos. Ressalta-se que por motivos éticos, foram preservadas as identidades de todos os participantes da pesquisa (Apêndice 1).
Os dados coletados foram armazenados em banco de dados, no programa Bio Estat 4.0. Os resultados foram analisados segundo estatística descritiva em tabelas de frequência segundo o programa citado, de acordo com os objetivos propostos no trabalho.
RESULTADOSForam incluídos no estudo 56 pastores da Igreja Adventista do Sétimo Dia, todos do sexo masculino. Obteve-se a seguinte distribuição dos entrevistados quanto à faixa etária: 31(55,4%) encontravam-se na faixa etária de 31 a 40 anos, 15 (26,8%) entre 20 e 30 anos, enquanto que o grupo de 41 a 50 anos e o grupo com mais de 50 anos apresentaram 5 (8,9%) entrevistados cada, conforme Gráfico 1.
Quanto ao tempo de atuação como pastor, percebeu-se que: 22 (39,4%) exerciam a atividade há menos de 5 anos, 15 (26,7%) entre 6 e 10 anos, 6 (10,7%) entre 11 e 15 anos e 13 (23,2%) acima de 15 anos, como visto no Gráfico 2.
Quanto à carga horária diária de trabalho observou-se que 15 pastores (26,8%) exerciam suas atividades durante menos de cinco horas diárias, 30 (53,6%) entre 6 e 10 horas, enquanto que 11 (19,6%) as exerciam por mais de 10 horas diárias (Tabela 1).
Em relação ao exercício de outra atividade profissional, detectou-se que 48(86%) entrevistados dedicavam-se exclusivamente à atividade religiosa, enquanto que 8(14%) exerciam outra atividade.
A sintomatologia clínica mais referida foi: pigarro, por 44 (78,5%) dos entrevistados, rouquidão em 32 (57,1%) e sensação de dor ou irritação na garganta em 29 (51,8%), de acordo com o Gráfico 3.
Dentre os pastores que referiram rouquidão, em apenas 4 (13%) o sintoma era de caráter constante, sendo que em sua 52 (87%) a rouquidão possuia caráter episódico, sempre relacionado aos momentos de uso/abuso vocal.
Quanto ao hábito de ingestão hídrica, verificou-se que 37 (66%) pastores ingeriam menos de dois litros de água por dia, enquanto 19 (34%) ingeriam quantidade maior.
Ao correlacionar os principais sintomas observados com a ingestão diária de água, observou-se maior prevalência de rouquidão naqueles que ingeriam menos de dois litros, quando comparado ao grupo que ingeria maior quantidade diária. Um total de 5 pastores (8,9%) não apresentaram sintomatologia, independente do volume ingerido.
Apenas um (1,8%) pastor referiu ter o hábito de fumar, um (1,8%) informou consumir maconha e dois (3,7%) referiram ingerir bebida alcoólica. Um grupo de 33(59%) mencionou ser adepto da prática esportiva.
Gráfico 1. Distribuição dos pastores por faixa etária. - Fonte: questionário fechado da própria pesquisa.
Gráfico 2. Distribuição dos pastores por tempo de atividade. - Fonte: questionário fechado da própria pesquisa.
Gráfico 3. Apresentação da sintomatologia clínica referida. - Fonte: questionário fechado da própria pesquisa.
DISCUSSÃOA importância da voz na comunicação humana é inquestionável, tendo um papel importante no mercado de trabalho, principalmente para os profissionais que a utilizam como instrumento principal de sua atividade trabalhista (3,4). Entre estes profissionais, podemos citar: professores, atores, cantores, recepcionistas, operadores de telemarketing, advogados, pastores, profissionais de saúde, entre outros. Para estes profissionais, a disfonia pode representar a impossibilidade em exercer a profissão, acarretando em faltas ao trabalho, diminuição de rendimento, e até mesmo a necessidade de mudança de profissão (3,5).
A atribuição profissional de um pastor protestante, não somente se restringe à pregação nos cultos, como também se dedica ao ensino religioso, ao canto de hinos religiosos, à atuação como conselheiro espiritual e administrador da Igreja, ou seja, representa o governo eclesiástico. Para DUARTE (1997) o pastor é verdadeiramente um atleta da voz (6). Percebe-se, portanto, que a voz está ativa em todas as atribuições. Sendo assim, é de grande importância a atuação do otorrinolaringologista no aparelho fonador, objetivando a prevenção e o tratamento das patologias da voz, disfonias, que são consequências da falta do conhecimento, por parte dos pastores, minimizando os danos vocais.
A disfonia pode ser de causa multifatorial, podendo ser consequência da associação de fatores como: hereditários, comportamentais, estilo de vida, e ocupacionais. Diversos estudos têm relacionado à atividade ocupacional com disfonia, e acredita-se que o principal fator esteja ligado ao uso excessivo da voz, ocasionando trauma nas pregas vocais e processos inflamatórios, sendo a laringite o achado mais frequente (2, 7). Fatores ambientais podem estar relacionados ao aparecimento do problema: condições inadequadas de temperatura e umidade, ruídos, exposição a irritantes químicos (como cromo, mercúrio, formaldeído, ácido sulfúrico), e acústica inadequada ao ambiente (1,8).
Em seu estudo envolvendo pastores, LIMA (2001) (9) observou que 50% de sua casuística apresentava alguma queixa vocal após um culto religioso. Dentre o protocolo de pesquisa, a sintomatologia clínica mais referida foi: pigarro, presente em 44(78,5%) dos entrevistado, rouquidão em 32(57,1%) e sensação de dor ou irritação na garganta em 29(51,8%). Dentre os pastores que referiram rouquidão, em apenas 4 (13%) o sintoma era de caráter constante, sendo que em sua grande maioria, 52 (87%), a rouquidão tinha caráter episódico, sempre relacionado aos momentos de uso/abuso vocal. O comportamento abusivo da voz, para COLTON & CASPER (1996) (10), é decorrente da intensidade excessiva e prolongada podendo levar a qualidade vocal: soprosa, rouca, áspera, quebras na voz, pitch agravado, fadiga vocal, redução da extensão dinâmica da voz, padrão respiratório inadequado e síndromes tensionais musculo-esqueléticas.
As disfonia são comuns em profissionais da voz e foram pouco valorizadas durante muito tempo. Hoje é considerado um distúrbio importante, com consequências que influenciam diretamente a vida profissional e social, tida ultimamente como um problema ocupacional, uma vez que diminui a produtividade e regularidade no trabalho desses profissionais (11, 12, 13). Além disto, tempo limitado de recuperação e estresse também são considerados fatores de risco para a laringopatia ocupacional (3). Com relação entre a presença de sintomas e a carga horária de atividade diária, observou-se que a maioria daqueles que afirmaram apresentar sintoma positivo, exerciam suas atividades diárias por um período acima de 6 horas diárias. Em um estudo com outro grupo de profissionais da voz (professores), SAPIR (1993) 13 não observou, ao contrário de nossos resultados, associação entre a frequência de disfonia e a carga horária como profissional de voz.
Os fatores relacionados ao estilo de vida também podem ser prejudiciais à voz. Entre estes, podemos citar o tabagismo, uso excessivo de álcool, refluxo laringofaríngeo (8). No nosso estudo foi observado que, apenas um (1,8%) pastor referiu ter o hábito de fumar cigarro comum, um (1,8%) informou utilizar maconha e dois (3,7%) referiram ingerir bebida alcoólica. Atribuiu-se esta baixa incidência aos conceitos religiosos aos quais estão ligados os participantes deste estudo. Um grupo de 33 (59%) mencionou ser adepto da prática esportiva.
Sabe-se que para se realizar um adequado seguimento clínico neste tipo de paciente são importantes programas de prevenção de possíveis lesões de pregas vocais, bem como orientações sobre o precoce reconhecimento dos sintomas relacionados e uma boa higiene vocal. Esta incluiu evitar agentes irritantes, como o tabagismo ativo ou passivo, dieta adequada, controle do refluxo laringofaríngeo, poeira e uma boa ingestão hídrica (1,16). Em relação a este último fator percebeu-se que 37 (66%) pastores ingeriam menos de dois litros de água por dia, enquanto 19 (34%) ingeriam quantidade maior. Ao correlacionar os principais sintomas observados com a ingestão diária de água, observou-se maior prevalência de rouquidão naqueles que ingeriam menos de dois litros 32 (57,2%). Sabe-se que a ingestão hídrica é de fundamental importância para a manutenção e qualidade vocal, o que condiz com os achados encontrados em nosso estudo (17,18).
Para BOMPET e SARVAT (1998) é de grande necessidade a inter-relação entre o fonoaudiólogo e o laringologista, com mútua confiança do conhecimento técnico-científico e conduta profissional, já que estarão frente a um profissional da voz (19). O otorrinolaringologista trata com uma conduta medicamentosa, cirúrgica e preventiva, caso o pastor não apresente algum sintoma orgânico-funcional do aparelho fonador. O fonoaudiólogo tratará com uma conduta baseada no diagnóstico do otorrinolaringologista e na avaliação da voz, no comportamento vocal do pastor e com uma anamnese detalhada dos parâmetros vocais, dando orientações sobre higiene vocal e fonoterapia para aperfeiçoamento do uso da voz.
CONCLUSÃOObservamos alta prevalência de queixas vocais nos pastores estudados. O pigarro foi a mais frequente (78,5%), seguido de rouquidão (57,1%) e dor/irritação laríngea (51,8%). A orientação e treinamento desses profissionais com relação aos cuidados relacionados à saúde vocal poderia reduzir a alta prevalência dessas queixas.
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1. Mestre em Otorrinolaringologia pela UFRJ. Doutor em Neurociências pela UFPA. Professor Adjunto de Otorrinolaringologia da UEPA e da UFPA. Preceptor da Residência Médica em Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Betina Ferro de Souza da UFPA.
2. Residente do Segundo Ano do Hospital Universitário Bettina Ferro de Souza. Universidade Federal do Pará - UFPA.
3. Aluna do Quinto Ano do Curso de Medicina. Universidade Federal do Pará - UFPA.
4. Fonoaudióloga do Centro de Otorrinolaringologia do Pará e do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Betina Ferro de Souza. Mestre em Neurociências e Biologia Celular. Especialista em Linguagem, Saúde Pública e Voz.
5. Residente do Primeiro Ano de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Betina Ferro de Souza. Universidade Federal do Pará.
6. Residente em Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Bettina Ferro de Souza. Universidade Federal do Pará - UFPA.
Instituição: Centro de Otorrinolaringologia do Pará. Belém / PA - Brasil. Endereço para correspondência: Francisco Xavier Palheta Neto - Centro de Otorrinolaringologia do Pará - Avenida Conselheiro Furtado, 2391, Salas 1508 e 1608 - Edifício Belém Metropolitan - Bairro: Cremação - Belém / PA - Brasil - CEP 66040-100 - Telefone: (+55 91) 3249-9977 / (+55 91) 3249-7161 / (+55 91) 9116-0508 - E-mail: franciscopalheta@hotmail.com
Artigo recebido em 26 de Setembro de 2009. Artigo aprovado em 29 de Novembro de 2009.